terça-feira, 7 de julho de 2009

DAS CRÔNICAS DE JOSÉ MARIA NUNES MARQUES


"MEMÓRIAS
Cofre das coisas e da vida. Vida, em si, para os em que a vida já se dezfaz, ou se não refaz. Luzes cintilantes, pequenas estrelas, na obscuridade do campo imenso posto além de toda esperança. Mundo que se constrói de lembranças para manter um mundo onde já não se fixam lembranças

Andam crianças e adolescentes nos olhos dos velhos. Melancólicos cismares de milagres antigos, bons como a chuva sobre a terra, e cujo brilho apenas se percebe e advinha nos olhos baços, sem luz.


A memória alimenta os dias despidos de encantamento e mágicas descobertas.


Dias de memórias, quando já se vai perdendo, impressentidamente, a plenitude de viver, e o delicado trabalho de recompor instantes, reavivar cenas, palavras e gestos, pacientemente, ganha um novo valor.


Um dia , - quem sabe qual? - trocamos o tempo. A dimensão de futuro se esvazia, e volta a palpitar, embora débil, a dimensão do passado. Relembrar. Encantar-se de novo ante o que se diluiu irreversivel é sucumbir. Sabem bem disto os que amam. Porque os que mam, os possuídos de paixão, cegos pelos olhos amados, não têm passado. O instante lhes basta; o momento lhé é suficiente para o êxtase e para a vida. Dizem, e com razão, que dizer amor é muito pouco, porque o amor e tão vário. Deve existir o amor que as circunstâncias consomem, que as pequenas coisas gastam. Mas há o amor - ou um seu instante -, que exclui todo o universo. Relembrar é ausência de paixão, é ter perdido o instante mágico e maravilhoso de plenitude.


Palavras e lamentos sobre a excelência das lembranças é passado apenas.


Rua, passeio, bosque, passam companheiros antigos antigos em formas novas, anunciando a decadência na pele exausta e no olhar sombrio. O sol de uma tarde de sonho já se desfaz, assediado por sorrateiras angústias. A primeira amada, pensada assim e sentida, a mão primeira tocada como mulher, a menina, a colega, está desfeita no tempo e perdida no espaço. E se estivesse aqui, onde o estremecimento, o frescor, o acetinado, o mistério, o frêmito do instante, os olhares, os sorrisos, a maravilha toda não cantada jamais em rima de palavras, nem em música, capaz de nos devolver sentir de novo e palpitar como a primeira vez?! Das bocas juvenis na descoberta furtiva do primeiro beijo, onde se renova o encanto?


Não vale desdobrar lembranças. A estranha riqueza das lembranças. De que valem as memórias desfiadas em longas noites, entre velhos amigos, já fanados. A vida flui como um rio; não se detém nem olha o que passou. Criemos do momento que passa o momento de vida e plenitude . O mais é silêncio. Além ou aquém deste instante fugaz está o silêncio. E não o silêncio carregado de coisas e significções, mas um silêncio de negação e ausência.


Este instante ou, se pudéssemos, buscar na luz que se projeta para o cosmo, o infinito dos mundos, aquele momento perdido, quem sabe ainda vivo, ao menos aos olhos!


Feira de Santana, dezembro de 1967"






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