A transparente satisfação com que a mídia nativa celebrou os últimos movimentos do governador José Serra, tomados como prova de uma candidatura de fato já encaminhada, mostra, redondamente, o lado escolhido pelos barões midiáticos. Como sempre, o lado contrário a Lula. No caso, em oposição à candidata do presidente.
Não é novidade. A mídia nativa não engole um ex-operário que se torna inquilino do Palácio do Planalto, cenário quem sabe talhado em definitivo para bacharéis engravatados, quando não generais de quatro estrelas. Ódio de classe? Misturado com a inextinguível suspeita de que Lula acabe por cair em tentação e reedite ideias e ideais do PT de 1980.
Rota traçada desde 1989, quando foi inventado o “caçador de marajás” para impedir a ascensão do Sapo Barbudo. Nem se fale da euforia provocada pela descoberta de um Fernando Henrique rei dos economistas, além de príncipe dos sociólogos, prontamente apresentado como criador da estabilidade. E esta foi também a bandeira da campanha do segundo mandato, embora arreada 12 dias depois da posse.
Surpresa em 2002: Lula derrotou com ótima margem o ex-ministro José Serra, a despeito de sua badaladíssima gestão na pasta da Saúde, quando o mundo mais uma vez curvou-se diante do Brasil. Não bastou insistir na ideia de que Serra era “preparado”, a significar que o outro era irremediavelmente despreparado.
A mídia não percebeu então que seu poder de fogo diminuíra bastante e perseverou na linha contrária ao governo, crivado por críticas ferozes, ataques sem conta, acusações retumbantes, até o chamado “mensalão”, que não foi provado nos termos apontados pelo jornalismo pátrio. Mais significativa e consistente do que a anterior, a vitória de Lula em 2006. Nem por isso, a mídia aproveitou a lição.
Repito o que foi dito em outras oportunidades neste espaço: a eleição de Lula é um divisor de águas na história brasileira. Pela primeira vez, a maioria dos brasileiros apreciou votar naquele com quem se identificava, um igual, em lugar de um senhor enfatiotado, recomendado por seus pares. E, pelo caminho, a maioria convenceu-se que valeu a pena.
Quem não se convenceu foi a mídia. A imprensa, de que muito poucos a leem. A eletrônica, que só vale quando transmite novela, big brothers e faustões. Nesta aposta em si própria, não saiu da velha rota. Diariamente, basta passar os olhos pelas páginas dos jornais que alguns teimam em chamar de “grande imprensa”, para tropeçar em editoriais, artigos, colunas e reportagens destinados a demonizar Lula e condenar seu governo.
Quarta-feira 24, ao falar em Brasília no quadro do programa Territórios da Cidadania, o presidente da República disse: “Fico imaginando daqui a 30 anos, quando alguém quiser fazer uma pesquisa sobre a história do Brasil e sobre o governo Lula e tiver de ficar lendo determinados tabloides. Ou seja, este estudante vai estudar uma grande mentira”.
Haverá quem queira discutir a qualidade do texto, a forma. O conteúdo, no entanto, é claríssimo e não admite dúvidas. Se o pesquisador-estudante se contentar com a leitura dos “tabloides”, ou seja, dos órgãos da nossa imprensa, aprenderá uma história desfigurada por erros e omissões. E mentiras.
Quanto à CartaCapital, nos esforçamos para praticar o jornalismo honesto, na contramão da hipocrisia de quem afirma isenção, equidistância, independência, imparcialidade, enquanto se entrega a formas diversas, porém afinadas, de propaganda partidária. Em busca da verdade factual, criticamos Lula e seu governo ora de maneira positiva, ora negativa. Há duas semanas, entendemos como passo em falso as declarações do presidente a respeito dos presos políticos cubanos. Na semana passada, renovamos nossa reprovação a quaisquer interferências governistas para limitar a liberdade de expressão.
CartaCapital orgulha-se de remar na contracorrente, mesmo quando entende que o governo em seus dois mandatos poderia ter feito muito mais no plano social, ou reputa deslize gravíssimo, a provar prepotência e ignorância, o comportamento em relação ao Caso Battisti. No mais, a entrada de Serra na liça vale para iluminar a ribalta.
Não se trata de valorizar a demanda de muitos tucanos, favoráveis a uma definição rápida, mesmo porque compreendemos a estratégia do pré-candidato, baseada na tentativa de escapar ao embate plebiscitário à procura do confronto direto com a candidatura Dilma. Deste ângulo, tem de ser encarado o nítido empenho tucano em manter Fernando Henrique longe da campanha. Mas não será fácil sair do círculo traçado por Lula em torno do pleito.
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