O poeta e acadêmico
feirense Dival Pitombo, em junho de 1978 brindou os leitores do tradicional
jornal A Tarde, lembrando os “Velhos tempos, belos dias” da Feira de Santana, que vale a pena ver de
novo:
“- Velhos tempos, belos dias. Assim como na canção.
Um povo sem memória é como um edifício sem alicerce. É inconsistente.
Quem considera morto o passado, está pisando em areia movediça. “O passado já
passou” é simplesmente imagem literária ou frase feita de música popular.
Na história, como na vida de cada indivíduo, o passado tem a
força motriz que alimenta o presente. É como o ninho que abriga e protege a
águia, antes de aprender a dominar as alturas. Apenas no plano temporal o
passado nos parece vencido. Em verdade ele continua atuante dentro de nós.
Ninguém consegue matar o passado dentro de si. Nem os povos, nem os homens.
A Feira de Santana de hoje oferece motivos de orgulho. Mas
como esquecer os doces dias, em que a cidade adolescente guardava ainda a
pureza absoluta das coisas realmente simples?
Dos tempos em que o acontecimento mais importante era a festa
da Padroeira, para a qual se trabalhava o ano inteiro?
Os visitantes ainda não se chamavam turistas. E eram
geralmente pessoas ligadas a terra por laços de família ou amizade. Durante a
festa, a cidade se enchia deles. Não havia colégios secundários e os estudantes
os cursavam na capital. As férias traziam-nos de volta. Com amigos, parentes,
familiares que se engrossavam a população e faziam a alegria da temporada.
As novenas imponentes e freqüentadas pela fina flor da
sociedade, reuniam as mais importantes famílias, que disputavam entre si a
primazia da decoração da igreja e os lances mais altos nos leilões que se
seguiam, no largo, após o ato religioso.
As tocatas e os fogos de artifício coroavam a noite num
esplendor inesquecível. Em volta do coreto o solo ficava fofo de confetes. E as
longas fitas coloridas das serpentinas cruzavam o céu, tecendo arabescos,
enquanto a juventude girava na praça, dançava formava grupos, ou namorava
envolvida pela névoa dos lanças-perfumes que ainda não eram usados como
entorpecentes.
Como não havia boates, os jovens costumavam organizar
festinhas em casas de famílias. Para isto cortejavam-se para pagar a orquestra
e iniciavam a invasão, muitas vezes sem conhecimento prévio do dono da casa.
Chamavam “assustados” ou “festa de comissão”. Denominação oriunda do fato de serem organizadas por uma
comissão, que se encarregava de contratar os músicos e tomar outras
providências.
Oscar Marques e Álvaro Carvalho eram os melhores
organizadores de tais festas. Dançarinos exímios eram também eficientes
cobradores da cotas dos festivos companheiros. Para isso realizavam operações
incríveis, pois a turma, depois de iniciada a festa, faziam as mais audaciosas
acrobacias para não pagar. Isto exigia uma estratégia especial dos cobradores
que acabavam por atacar o sujeito, no meio do salão, embalado no som, em
companhia da namorada. Aí não tinha jeito. Tinha que pagar mesmo. Ainda assim, no final da festa, havia sempre
uma queixa inevitável dos promotores: -
Tomei uma ronca. Ronca era o prejuízo deixado no fim das contas.
Cícero Carvalho, Isaac Machado, Chico Sampaio, Chico Barriga
Azul, Mário Azevedo, Mário Santos Silva, Valdy Pitombo, Tatá, Eduardo e Vavá
Mota, Zé Brito e João José de Souza, constituíam o grupo dos mais afamados “pés
de valsa”. Todos com certificado de um
vasto tirocínio no roteiro boêmio da velha Salvador, roteiro famoso que
ia do Cassino Tabaris à Pensão Americana e ao Cabaré de Zazá.
Perito no tango e no “blue”, Valdir Pitombo disparava para a
pista na preocupação de garantir a dama, mal a orquestra ensaiava o primeiro
acorde. Costume que foi moderando, quando descobriu que Cícero Carvalho o
marcava sistematicamente com um olho mal intencionado.
Como as festinhas terminavam sempre à meia noite, a maioria
desses dançarinos, completava a noitada
em outro local mais distante e mais discreto, para os lados da Bacatela,
freqüentados por senhoras de maior responsabilidade: - a Pensão de Petu.
O “footing” no mercado, nos dias de segunda-feira, era outro
ponto de encontro da “jeunesse doré” (hoje guarda jovem) daquela época.
Quem conheceu a feira-livre, em seus últimos tempos, não tem
idéia de como se processava esse “footing”. Não exista aquela confusão dos
diabos em que se transformou mais tarde. Era disciplinada por uma organização
modelar. Havia as simétricas e paralelas, onde se distribuíam as mercadorias à
venda.
No centro situava-se a ala dos sapateiros. Aí é que a
estudantada marcava encontro com as normalistas. Era uma festa semanal. O
passeio ao longo da pista prolongava-se por toda manhã de segunda-feira. Havia
mão e contra-mão. Namoros faziam-se e desfaziam-se naquela passarela
“sui-generis” que a juventude dourava com o sol da sua alegria.
Ah! Onde está a floração daquele jardim?
Onde estão Julieta e Dedé Gonçalves?
Onde estão Jacy e Miriinha Assis? Silvia, Laurinha Martins,
Matildes e Ernestina. Bernardete, Edelweiss, Bisa Dórea, Didira e Baby, Julieta
Alencar,Aurora e Maria Madalena?
Onde estão todas elas?
A vida levou algumas para longes terras. E outras já
transpuseram as fronteiras do grande mistério.
Como era alegra a juventude do meu tempo!...
(Por Adilson Simas)