Sugestão de Gilberto Cruvinel
O juiz ladrão
De Nelson Rodrigues
De vez em quando, eu esbarro num saudosista. É um sujeito
esplêndido, que vive enfiado no passado. Direi mais: — vive feliz e realizado
no passado como um peixinho num aquário de sala de visitas. E convenhamos que
isto é bonito, é lindo. Outro dia, um deles atracou-se comigo no meio da rua;
arrastou-me para o fundo de um café, e, lá, com o olho rútilo e o lábio
trêmulo, pôs-se a falar de Marcos de Mendonça, o “Fitinha Roxa”; da
“espanhola”; do assassinato de Pinheiro Machado e do campeonato que o Botafogo
tirou em 1910. Mas, nos vinte minutos da conversa retrospectiva, já lhe pendia
do beiço uma grossa, uma espuma bovina, uma baba elástica. De mim para mim,
compreendi essa nostalgia, louvei essa fidelidade ao passado. Amigos, eis uma
verdade eterna: — o passado sempre tem razão.
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