quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

SOBRE A MISSA DE QUÉRCIA E "CANONIZAÇÃO DOS MORTOS"


Em Josia de Souza
O brasileiro nasce e cresce sob a pele de homem. Mas fenece como santo.
Entre nós, a morte é de uma eficácia promocional hedionda.
A morte lava biografias. Os cemitérios do país são hortas de virtudes.
O morto com defeitos é uma utopia. Tome-se o exemplo de Orestes Quércia.
Celebrou-se em São Paulo uma missa em memória do ex-governador paulista.
Deu-se nesta quarta (5), na Catedral da Sé. A lista de políticos que foram cultuar o morto impressiona pela diversidade.
Lá estavam José Serra e Geraldo Alckmin, do PSDB –partido nascido de dissidência que largou o PMDB por suposta aversão aos métodos de Quércia.
Lá estava Michel Temer, com quem Quércia travou nos últimos anos de sua existência renhida disputa pelo controle do PMDB-SP.
Lá estava Gilberto Kassab, um ‘demo’ que ronda o espólio de Quércia e achega-se ao PMDB de Temer com ganas de neogovernista.
Lá estava Eduardo Suplicy, cujo partido, o PT, um dia chegou a considerar-se a antítese da política à moda Quércia.
Lá estava, por último, Paulo Maluf. Entre todas, talvez, a única presença sincera. Unia-o a Quércia pelo menos afinidade de estilos.
A morte não parece guiar-se por critérios lógicos. Ela canoniza a todos, sem distinção. Ela perdoa as fraquezas, purifica as nódoas.
Por sorte, a morte é democrática. Ela se distribui igualitariamente. Cedo ou tarde o pó une todo mundo na santidade dos túmulos.

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