Autor: Luis Nassif
Prefeito de Vargem Grande do Sul, tio de minha mãe, o médico
Bié Mesquita tinha um consultório com duas salas. Numa, os clientes que podiam
pagar pela consulta; na outra, os que não podiam. Revezava o dia inteiro atendendo
a ambos. Em frente o consultório, montou uma farmácia, mas ninguém sabia que
era dele. Os pacientes necessitados saíam do consultório com a receita e a
recomendação para aviar na farmácia em frente. Lá, eram informados de que não
precisariam pagar nada.
Em Poços de Caldas, o pediatra Martinho de Freitas Mourão
atendia de manhã os necessitados, de tarde os que podiam pagar.
Não havia equipamentos sofisticados. Eram tempos longínquos,
no interior, com acesso a no máximo uma máquina de raio X. Tinham o estetoscópio,
a paleta para colocar sob a língua do paciente e o conhecimento acumulado pelo
curso e pela prática. Salvavam vidas.
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Não são exemplos isolados. Na medicina nacional, grandes
nomes, médicos bem sucedidos, cirurgiões consagrados passaram a dedicar parte
de sua atividade à saúde pública ou atendimento em hospitais públicos. É assim
com Adib Jatene, Miguel Srougi e tantos outros. A medicina brasileira forneceu
alguns dos maiores homens púbicos do país, sanitaristas como José Gomes
Temporão, David Capistrano, José Veccina Neto. Ajudou na criação de um modelo
federativo através da obra monumental do SUS (Sistema Único de Saúde).
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Mesmo os Conselhos de Medicina têm um histórico digno. Não
fossem os médicos voluntários do Conselho Regional de Medicina atenderem a um
pedido e se deslocarem para o Instituto Médico Legal (IML), em maio de 2006, o
número de assassinatos da Polícia Militar teria dobrado.
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Por todo esse histórico, é chocante a maneira como Conselhos
de Medicina e médicos em geral reagiram à vinda dos médicos cubanos e, antes
disso, nas manifestações de rua, portando cartazes agressivos contra políticos,
como se fossem os mais vulgares dos trolls de Internet.
Conseguiram jogar a imagem da profissão na lata de lixo,
apresentando-se para a esquerda como elitistas insensíveis e para a direita
como corporativistas rançosos.
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A própria velha mídia, que estimulou inicialmente os ataques
aos cubanos, levantando os argumentos mais inverossímeis para o que era uma
medida de saúde pública, recuou, deixando os movimentos médicos com a broxa na
mão, expondo a imagem do médico brasileiro a críticas de todos os quadrantes.
***
Raras vezes assisti a um suicídio de imagem tão amplo e
irrestrito.
Agora, é hora de defender a categoria dessa malta que a
representou nas manifestações. A medicina brasileira não são aqueles
manifestantes, não são os CRMs que estimularam as agressões vergonhosas contra
cubanos.
A medicina brasileira é Bié e é Martinho, é Jatene e é
Zerbini, são os sanitaristas que desenharam um novo sistema de saúde, é a
estrutura das santas casas de misericórdia, que seguraram a peteca em séculos
de descaso público com a saúde, são os médicos do serviço público que cumprem
com garra sua missão.
Espera-se que os verdadeiros médicos tenham a coragem de vir
a público para consertar o estrago que esses vândalos cometeram contra a imagem
da categoria.
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