Capa da primeira edição da Revista Realidade, publicada em 1966. Ao lado, edição comemorativa da Revista Veja, de 2012, em evidente alusão à extinta publicação
Revista Realidade: inovação no olhar sobre a realidade
brasileira
Por Thaísa Oliveira
Lançada em 1966, a Revista Realidade foi um projeto singular
bancado pela Editora Abril. A afinidade de uma equipe reunida por propósitos
semelhantes resultou em uma publicação ousada e revolucionária. A
aceitabilidade pelo público foi igualmente provocadora: em quatro meses de
produção, 450 mil exemplares eram vendidos mensalmente.
Influenciada pelo New Journalism estadunidense, o estilo
literário associado à total liberdade criativa e produtiva dos jornalistas
determinou o sucesso da revista em sua “Fase Áurea”, que perdurou até 1968. A
escrita em primeira pessoa foi amplamente explorada, de modo que os jornalistas
se integravam e participavam dos acontecimentos relatados.
As publicações priorizavam abordagens profundas, sem o tom
imediatista e urgente que marca o jornalismo. Reportagens extensas eram
produzidas durante longos meses. Descrições minuciosas de lugares, objetos e
feições eram recorrentes também nas entrevistas, que se tornaram notáveis pela
pouca ou nenhuma edição. As capas e o design irreverentes colaboravam ao seu
estilo único. As fotografias eram utilizadas em caráter meramente ilustrativo
e, muitas vezes, os fotógrafos deixavam-se perceber em seus trabalhos.
Mas uma fotografia em particular incomodou as autoridades
militares. A edição de número dez “Mulher brasileira, hoje” se debruçou sobre o
universo feminino. Uma das reportagens trazia a imagem de uma grávida na
iminência do parto: pernas abertas e a cabeça do bebê à vista. Ângulo conscientemente polêmico. Pouco depois
que metade dos exemplares da edição peculiar chegou às bancas, viaturas do
serviço de vigilância e ronda especial da polícia se apressaram em recolher a
publicação. A justificativa era de que a revista afrontava a moral e os bons
costumes da época.
A publicação recolhida: edição especial “A mulher brasileira, hoje”, de 1967. As revistas que escaparam do confisco chegaram a ser vendidas por um valor até cinco vezes maior
Com o endurecimento da censura prévia após o decreto do
AI-5, as publicações foram abandonando os formatos originais. As fotografias em
caráter de denúncia eram cortadas e as alfinetadas ao Regime tornavam-se cada
vez mais sutis. Especula-se que dissidências internas foram também cruciais
para a sua descaracterização e decadência. O último exemplar foi produzido em
janeiro de 1973. Apesar disso, seus trabalhos antológicos se tornaram objeto de
estudo e seu espírito inovador é lembrado até hoje como um marco divisor na
produção editorial brasileira.
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