"Empresários e altos funcionários públicos sabem que o comprimento da língua pode reduzir a extensão da pena"
Por Frei Betto
Passei pela prisão duas vezes (1964 e 1969-73). Fui
submetido a inúmeros interrogatórios. O objetivo dos algozes era obter
delações. Sem prêmios, exceto livrar-se de mais torturas físicas.
Sob o governo Médici se prometeu liberdade imediata ao preso
político que, na TV, arrependesse de suas atividades e louvasse o “milagre
brasileiro” do regime militar. Em São Paulo, apenas meia dúzia aceitou a
proposta.
As delações aceitas pelos juízes Moro e Fachin merecem ser
acolhidas com cautela. Para empresários e altos funcionários públicos,
habituados a salários astronômicos e vida nababesca, estar preso é uma tortura.
E sabem que o comprimento da língua pode reduzir a extensão da pena. Por isso
delatam.
Nenhuma delação pode ser aceita como fato consumado, como
ocorria no stalinismo. É preciso apresentar provas de que os delatados de fato
transgrediram a lei. Mandaram a ética e os escrúpulos às favas.
Em plena Semana Santa, a lista de Fachin não merece ser
encarada como a multiplicação dos Judas brasileiros, a serem sumariamente
condenados e malhados. O Direito deve prevalecer sobre as nossas divergências,
antipatias e ressentimentos em relação aos políticos citados.
Vale frisar que visceralmente corrupta é a
institucionalidade política brasileira, na qual o eleitor vota e o poder
econômico elege. A nação espera, há décadas, a profunda reforma que torne a
nossa democracia verdadeiramente representativa e participativa.
Frei Betto é escritor e colunista de O Globo, autor de “Calendário
do Poder” (Rocco), entre outros livros.
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