Por Adilson Simas
Em 1975 o acadêmico Dival Pitombo escreveu sobre a Pensão
Universal, de propriedade dos pais de Georgina Erismann, lembrando não apenas a
hospedaria, mas fatos artísticos e culturais ali registrados. Recordemos:
A antiga Pensão Universal situava-se no local onde está,
hoje, o Edifício Mandacaru. Além de ser a melhor hospedaria da cidade,
funcionava como ponto de convergência de viajantes, artistas, intelectuais e
fofoqueiros impenitentes, que permaneciam até altas horas da noite na calçada,
em frente, em bate-papos intermináveis, nos quais se discutia tudo: - política,
negócios, literatura, arte e vida alheia.
No pavimento térreo a nossa Georgina Erismann instalara a
sua sala de música, seu piano, onde reunia periodicamente pequenos grupos para
audições musicais ou conversas sobre assuntos de arte e cultura. Era um recanto
muito agradável freqüentado por todas as figuras participantes da vida cultural
da cidade: - Gastão Guimarães, Honorato Bonfim, Pedro Américo de Brito, Capitão
Abdon, entre outros.
No hotel, hospedavam-se quase sempre, visitantes ilustres
que aqui chegavam. Entre eles veio, convidado para uma conferência literária, o
terrível Agripino Grieco. O jovial demônio, ainda relativamente moço, estava na
plenitude da sua verve. Ciceroneado por amigos, o crítico percorreu os pontos
turísticos da terra, visitou instituições e à noite pronunciou sua conferência
no salão nobre da Prefeitura, diante de um público interessado que o aplaudiu
muito.
Em seguida dirigiu-se para a Pensão Universal, onde Georgina
o aguardava para uma hora de arte em companhia de um número limitado de
íntimos. Após alguns drinques e troca de gentilezas, a musicista anunciou que
homenagearia o literato com interpretações musicais por ela executadas ao
piano. E dirigindo-se ao homenageado
disse-lhe:
- Dr. Agripino, vou tocar duas peças em sua homenagem: a
“CONSOLAÇÃO Nº 3” de Liset e uma “CANÇÃO” de minha autoria. Qual das duas o
senhor prefere em primeiro lugar?
E o crítico imediatamente:
- “Primeiro a sua professora. A consolação vem depois. O
diabólico sujeito nunca perdeu
oportunidade de fazer espírito, mesmo quando incluía o sacrifício de
pessoas de valor, como era o caso. Georgina Erismann era uma musicista de
talento e que nos deixou, entre outras coisas, o bonito Hino à Feira.
Há pouco tempo um visitante destacado, falando no Rotary
Clube, referiu-se à sua passagem pela cidade, quando hospedou-se na Pensão Universal. E disse da
sua surpresa ao despertar, altas horas, com o silêncio violado pelas notas
claras de um piano solitário na noite provinciana, tocando a “Sonata ao Luar”
de Beethoven. Era Georgina conversando com os seus deuses-lares.
Outro conferencista que por aqui comparecia, vez por outra,
enriquecendo o anedotário da cidade era Argileu Silva, “bacharéis”, segundo nos
conta Jorge Amado, por possuir dois diplomas: - o de Bacharel em Ciências e
Letras e o de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Este nos visitou,
em certa oportunidade hospedando-se com
Carlos Valadares, então Prefeito do Município.
Mestiço inteligente, mas afetado na pose e na oratória, deu
um “show” de eloqüência que pronunciou diante de numeroso auditório. Em um dos
momentos culminantes da sua gesticulação, soltou-lhe a dentadura, projetada no
ar pela força de uma metáfora sublime. Com grande habilidade, colheu-a em pleno
vôo, repondo-a em seu lugar. Donde se conclui que estava muito exercitado
naquele ofício.
Após a conferência, o orador pernoitou na casa do Prefeito.
Recolhido aos seus aposentos, afundou-se no justo repouso dos heróis. Tarde da
noite um barulho infernal partiu do seu quarto, acordando toda a família do
anfitrião, que, preocupada, procurou-se informar da origem de tanta confusão.
O bom e paciente Valadares bateu à porta do quarto do
hóspede. E ao abri-la, viu o conferencista em trajes menores, contorcendo-se de
dor. Um marimbondo que não era literato nem paciente como o dono da casa,
resolveu picar a fronte do poeta, vingando o público (não sei se sob
encomenda).
Compelido pela dor violenta, a vítima afugentou a vespa com
um tabefe e tentou acender a luz para verificar o ocorrido. Mas ao calçar o
chinelo, outra ferroada mais violenta no dedo do pé. Alucinado, pulou contra um móvel, derrubando
tudo que estava sobre o mesmo. O marimbondo ao ser expulso da frente do vate, refugiou-se num dos seus chinelos e
esperou tranquilamente a chance para a vingança que concretizou sem demora.
Não tenho notícia de que tenha voltado à cidade, depois
dessa aventura. (Adilson Simas)
Georgina em evento entre Áureo Filho e Satyro Ribeiro




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