segunda-feira, 18 de abril de 2016

NO TEMPO DA PENSÃO UNIVERSAL

Por Adilson Simas

Em 1975 o acadêmico Dival Pitombo escreveu sobre a Pensão Universal, de propriedade dos pais de Georgina Erismann, lembrando não apenas a hospedaria, mas fatos artísticos e culturais ali registrados. Recordemos:

A antiga Pensão Universal situava-se no local onde está, hoje, o Edifício Mandacaru. Além de ser a melhor hospedaria da cidade, funcionava como ponto de convergência de viajantes, artistas, intelectuais e fofoqueiros impenitentes, que permaneciam até altas horas da noite na calçada, em frente, em bate-papos intermináveis, nos quais se discutia tudo: - política, negócios, literatura, arte e vida alheia.

No pavimento térreo a nossa Georgina Erismann instalara a sua sala de música, seu piano, onde reunia periodicamente pequenos grupos para audições musicais ou conversas sobre assuntos de arte e cultura. Era um recanto muito agradável freqüentado por todas as figuras participantes da vida cultural da cidade: - Gastão Guimarães, Honorato Bonfim, Pedro Américo de Brito, Capitão Abdon, entre outros.

No hotel, hospedavam-se quase sempre, visitantes ilustres que aqui chegavam. Entre eles veio, convidado para uma conferência literária, o terrível Agripino Grieco. O jovial demônio, ainda relativamente moço, estava na plenitude da sua verve. Ciceroneado por amigos, o crítico percorreu os pontos turísticos da terra, visitou instituições e à noite pronunciou sua conferência no salão nobre da Prefeitura, diante de um público interessado que o aplaudiu muito.

Em seguida dirigiu-se para a Pensão Universal, onde Georgina o aguardava para uma hora de arte em companhia de um número limitado de íntimos. Após alguns drinques e troca de gentilezas, a musicista anunciou que homenagearia o literato com interpretações musicais por ela executadas ao piano. E dirigindo-se  ao homenageado disse-lhe:
- Dr. Agripino, vou tocar duas peças em sua homenagem: a “CONSOLAÇÃO Nº 3” de Liset e uma “CANÇÃO” de minha autoria. Qual das duas o senhor prefere em primeiro lugar?

E o crítico imediatamente:

- “Primeiro a sua professora. A consolação vem depois. O diabólico sujeito nunca perdeu  oportunidade de fazer espírito, mesmo quando incluía o sacrifício de pessoas de valor, como era o caso. Georgina Erismann era uma musicista de talento e que nos deixou, entre outras coisas, o bonito Hino à Feira.

Há pouco tempo um visitante destacado, falando no Rotary Clube, referiu-se à sua passagem pela cidade, quando  hospedou-se na Pensão Universal. E disse da sua surpresa ao despertar, altas horas, com o silêncio violado pelas notas claras de um piano solitário na noite provinciana, tocando a “Sonata ao Luar” de Beethoven. Era Georgina conversando com os seus  deuses-lares.

Outro conferencista que por aqui comparecia, vez por outra, enriquecendo o anedotário da cidade era Argileu Silva, “bacharéis”, segundo nos conta Jorge Amado, por possuir dois diplomas: - o de Bacharel em Ciências e Letras e o de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Este nos visitou, em  certa oportunidade hospedando-se com Carlos Valadares, então Prefeito do Município.

Mestiço inteligente, mas afetado na pose e na oratória, deu um “show” de eloqüência que pronunciou diante de numeroso auditório. Em um dos momentos culminantes da sua gesticulação, soltou-lhe a dentadura, projetada no ar pela força de uma metáfora sublime. Com grande habilidade, colheu-a em pleno vôo, repondo-a em seu lugar. Donde se conclui que estava muito exercitado naquele ofício.

Após a conferência, o orador pernoitou na casa do Prefeito. Recolhido aos seus aposentos, afundou-se no justo repouso dos heróis. Tarde da noite um barulho infernal partiu do seu quarto, acordando toda a família do anfitrião, que, preocupada, procurou-se informar da origem de tanta confusão.

O bom e paciente Valadares bateu à porta do quarto do hóspede. E ao abri-la, viu o conferencista em trajes menores, contorcendo-se de dor. Um marimbondo que não era literato nem paciente como o dono da casa, resolveu picar a fronte do poeta, vingando o público (não sei se sob encomenda).

Compelido pela dor violenta, a vítima afugentou a vespa com um tabefe e tentou acender a luz para verificar o ocorrido. Mas ao calçar o chinelo, outra ferroada mais violenta no dedo do pé.   Alucinado, pulou contra um móvel, derrubando tudo que estava sobre o mesmo. O marimbondo ao ser expulso da frente  do vate, refugiou-se num dos seus chinelos e esperou tranquilamente a chance para a vingança que concretizou sem demora.
 Não tenho notícia de que tenha voltado à cidade, depois dessa aventura. (Adilson Simas)
Georgina em evento entre Áureo Filho e Satyro Ribeiro

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