segunda-feira, 7 de setembro de 2015

OS NOSSOS ÁRABES E A LAMPARINA DOS DESESPERADOS

Por Saul Leblon
Em cinco de outubro de 1988, a nação que vivia desacolhida dentro do próprio país conquistou um bote para remar seu anseio por pátria e cidadania.
Com as virtudes e defeitos sabidos, a Constituição Cidadã, promulgada então, esticou o pontão dos direitos sociais --no que tange à lei, ao ponto mais avançado permitido pela correlação de forças que sucedeu à ditadura.
Conduziu-a um impulso gigantesco de ondas políticas sobrepostas.
A resistência heroica à ditadura, em primeiro lugar.
Mas também os levantes operários surpreendentes registrados no ABC paulista, nos anos 70/80.
Metalúrgicos liderados então por uma nova geração de sindicalistas, afrontaram a repressão e o arrocho, paralisaram fábricas, encheram estádios e igrejas, tomaram praças e ruas.
Irromperiam assim nacionalmente como a fonte nova da esperança, dotada de força e merecedora do consentimento amplo para falar pela sociedade em defesa do salário e da liberdade.
Como uma onda oceânica de dimensões até então desconhecidas, o levante metalúrgico seria sucedido de um explosivo anseio por liberdade, que levaria milhões às ruas na campanha política mais avassaladora da história nacional: as ‘Diretas Já!’, pelo fim da ditadura.
Trincou ali o mar glacial da desigualdade brasileira.
O degelo esticaria a fronteira da democracia na reordenação do país a cargo da Assembleia Constituinte de fevereiro de 1987.
‘Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora’, diria Ulysses Guimarães, vinte meses depois, na promulgação da carta.
‘Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados’, profetizou então o ‘senhor Diretas’.
A lamparina dos desgraçados bruxuleia agora na ameaçadora noite de ventania que acossa o Brasil de 2015.
Quase três décadas depois de abertas as fronteiras – no que tange à Constituição--  o Brasil que vivia na soleira da porta, do lado de fora do mercado e da cidadania – encontra-se  de novo ameaçado de banimento.
São os ‘nossos árabes’, diria Chico Buarque de Holanda, em síntese premonitória, em 2004.

Nenhum comentário:

Postar um comentário