Herdeiro de uma concessão pública e multimilionário
Por Paulo Nogueira
“Recebi um telefonema de um dono de muitos meios de
comunicação dizendo que não daria trégua à prefeitura e que colocaria todos
seus veículos contra o IPTU progressivo. Isso não me foi contado. Isso foi
dito.”
Bem-vindo ao mundo como ele é, Haddad.
Haddad disse aquilo a jornalistas. Preferiu não dar o nome
do empresário. Mas o site Conversa Afiada logo descobriu de quem se tratava: de
Johnny Saad, dono da Band.
É um episódio que traz diversas conclusões.
Primeiro, e antes de tudo, ele mostra como funciona a mídia
corporativa. O dono manda seus empregados defenderem a causa dele próprio, e a
sociedade é bombardeada com um noticiário viciado.
Saad é dono de imóveis em São Paulo, e isso significa que
ele teria que pagar mais IPTU.
O brasileiro ingênuo – cada vez em menor número, felizmente
– tem uma fé cega naquilo que ouve, vê e lê na mídia. Não tem ideia dos
interesses por trás do noticiário.
Depois, há uma questão de moralidade. Saad tem uma concessão
pública, a televisão. Como ele se atreve a usá-la em seu favor?
Algum tempo atrás, o executivo da ONU que trata da liberdade
de expressão, Jacques de la Rue, notou um fato curioso.
Em muitos países, o Brasil entre eles, as pessoas que
receberam concessão pública para ter uma tevê ou uma rádio usam isso com a
única finalidade de enriquecerem.
Para ficar no caso mais dramático, os três herdeiros de
Roberto Marinho estão no topo da lista das maiores fortunas pessoais do Brasil.
Concessão pública não foi feita para que um pequeno grupo se
locuplete.
Por isso, há necessidade de regras que coíbam abusos e
fiscalizem o uso decente de concessões.
Cristina Kirchner deu um exemplo de combatividade ao
enfrentar a mesma situação na Argentina, ao preço de um colossal desgaste
derivado da resistência feroz do grupo Clarín.
Mas não fraquejou e venceu.
Terceiro, o episódio do telefonema mostra uma coisa
importante: na Era Digital, uma boa forma de tornar públicos absurdos privados
é por vazamentos.
Nenhum órgão das empresas jornalísticas – Folha, Veja,
Globo, Estadão – publicaria a denúncia de Haddad, e os brasileiros não saberiam
da brutalidade de Saad ao telefone.
A informação foi vazada, e a Band é obrigada a enfrentar a
vergonha do telefonema de seu dono.
Foi fruto de um vazamento, também, o furo do ano no Brasil:
a trapaça fiscal da Globo na aquisição dos direitos da Copa de 2002. O site
Cafezinho publicou a documentação, passada por alguém inconformado da Receita
Federal.
O Brasil foi ocupado – na acepção do Movimento Ocupe Wall St
– pelas companhias de mídia. Elas se valem de tudo para manter seus privilégios
e os do pequeno grupo a que pertencem. Usam seus empregados como se fossem gado
para propalar mentiras que lhes convêm.
Fui um deles, aliás.
Vazar informações que ajudem num processo
imperioso de desocupação é um ato que
beneficia toda a sociedade. Que todos que possuem informações relevantes se lembro disto.
O episódio em tela demonstra o aspecto da subserviência e unilateralidade dos órgãos de imprensa e seus representantes, os profissionais, na manutenção e defesa do "status quo". Excelente e madura reflexão.
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