Por Fernando Brito
Um país – especialmente um país gigante e carente como o
nosso – não pode tratar, como estamos fazendo, a eleição se seu presidente como
se fosse um concurso de “bebê Johnson” ou de calouros, como se via na
televisão.
Na terra arrasada gerada pelos desbordamentos da Lava Jato e
do golpe parlamentar, desapareceu o ordenamento político que o país construíra
desde a redemocratização e abriu-se o campo para todo o tipo de aventureiros,
de escassa representatividade e com os partidos reduzidos a um carimbo
legalmente necessário ao “concurso” presidencial.
Quase nada guarda ligação com o processo histórico de
identificação da população com ideias, programas, projetos para o país e sua
vida em sociedade, embora a mídia e a parcela mais conservadora das nossas
paupérrimas elites culturais o trate como “renovação da política”, ao ponto de
ter chegado a glorificar Luciano Huck como tal, um simples pateta televisivo.
Faça uma lista e examine: Joaquim Barbosa, Rodrigo Maia,
Henrique Meirelles, Álvaro Dias, Flávio Rocha, João Amoedo e outras
insignificâncias políticas – um rol ao qual, num gesto ensandecido, acaba de
juntar-se o ex-ministro Aldo Rebelo -, oferece ao eleitor um leque de “não
sabemos para onde querem ir” ou então um “não vamos a lugar nenhum diferente
deste inferno em que estamos”.
Nenhum deles “existe” eleitoralmente e só poderão vir a
“existir” se adotados pelo sistema de comunicação dominante, o que pode, em
casos extremos, servir para eleger, mas não para sustentar um governante, como
nos ensinou – ou deveria ter ensinado – a “experiência Collor”.
Não integra esta lista, como você notou, o nome de Jair
Bolsonaro.
Sim, ele representa algo, algo que esteve adormecido nas
últimas décadas e que se libertou assustadoramente com a abertura da Caixa de
Pandora, há dois anos, com o processo de ruptura da legalidade democrática
materializado no impeachment de Dilma Rousseff.
A direita feroz, sem rebuços, não apenas socialmente cruel
como sempre foi, mas desabrida na barbárie das relações humanas marcadas pela
violência, pela brutalidade, pela intolerância.
O PSDB, que personificou o conservadorismo e o
neocolonialismo no país, aparentemente, morreu do veneno que ele próprio
injetou na política, quando atirou nas mãos de um desqualificado como Aécio
Neves, o seu destino. O oportunismo, a vilania política, a ausência de mínimas
qualidades pessoais foram um veneno para os tucanos e, ao que parece, o que
sobra deles, Geraldo Alckmin, repetiu a dose, em escala ainda maior, consigo
mesmo, ao criar seu monstrinho Doria, que será a base bolsonarista em terras
bandeirantes.
O novo partido de direita no Brasil, assim, saiu do campo da
política – e, portanto, do voto popular – para o da Justiça.
O Brasil, que tentava sair do atraso pela via da negociação
e composição de interesses conflitantes, como foram os governos de Lula, decaiu
à condição de um país em que a manutenção do atraso e dos privilégios depende do autoritarismo que, hoje, já não
tem condições de se implantar pela via militar.
O Judiciário, que dá à mídia a cobertura de legitimidade
para demolir as representações políticas da população, está partejando o que
seria inimaginável há meros dois anos e que se revela na agudeza da charge
de Renato Aroeira – o melhor cronista
gráfico desta quadra da história brasileira – que ilustra o post.
O que se passa hoje só não é mais terrível porque não é o
real retrato do Brasil, mas a caricatura disforme que fizeram deste país.
Ainda que prevaleça, é um monstrengo que não tem condições
de se impor por longo tempo, como ocorreu com o regime militar de 64.
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