segunda-feira, 14 de setembro de 2015

TRAGÉDIA

(*) Por Osvaldo Ventura

É lugar comum, mas, não deixa de ser extraordinariamente apropriada neste momento de tanta comoção. Pois é. “Uma imagem vale mais que mil palavras”. Principalmente se essa imagem é de uma criança de bruços, inerte sobre as areias de uma praia deserta e fria. Ela também fria. Morta. Vítima da indiferença, da hipocrisia, da arrogância e do poder de gente adulta que tem muito poder e desdenha dos sem-poder. Gente poderosa que perdeu os sentimentos humanos nos caminhos do poder, nas trilhas atapetadas dos mapas dos tesouros de dólares e euros. 
As palavras soltas ao vento não ecoaram nos ouvidos moucos dos governantes. Afinal, palavras não deixam vestígios, não imprimem símbolos. Desfaz-se no fundo do esquecimento. A imagem marca. Penetra na retina, perpassa o globo ocular e se fixa na mente, como tatuagem. E pode representar alegria, contentamento, compaixão, amor ou dor. Desafortunadamente, a do garoto Raylan, um “pingo de gente” na multidão de deserdados da sorte, fez o mundo despertar do torpor, expondo de maneira cruel uma crise humanitária de proporções jamais vista após a segunda guerra mundial. 
Problema que se arrasta desde sempre, a migração transformou-se hoje num drama global. Debates inúteis em inúteis organismos multilaterais não foram capazes de sensibilizar os “donos do mundo” e alertá-los para a tragédia que se avizinhava, ainda que não faltassem cenas de multidões desesperadas tangidas como gado, e lamúrias longínquas e inócuas. 
Contudo, a imagem símbolo que reverteu a insensibilidade não ficou apenas na compaixão passiva, no lamento distante. Por ironia do destino, a atual e poderosa “Dama de Ferro”, Chanceler Alemã Angela Merkel, talvez até por um sentimento de culpa subjacente, deu o brado de alerta e numa atitude de altruísmo impar, abriu as portas da Alemanha para abrigar um sem números de imigrantes. Gesto este seguido por outros governantes e louvado em toda parte, embora haja quem argumente que por trás da “generosidade” da “Führer” esconde-se a necessidade de salvar sua pátria  do envelhecimento populacional, que ameaça a sobrevivência do país germânico como potência mundial em médio prazo e no longo prazo como nação.  

(*) Advogado, escritor, membro da Academia Feirense de Letras 


Nenhum comentário:

Postar um comentário