DISCURSO SEM A LETRA “A”
Aconteceu no ano de 1918. O Dr.
Antonio Araujo Gomes de Sá, fez uma aposta com Ruy Barbosa que no dia que
tivesse ingresso no Instituto Geográfico da Bahia, faria um discurso sem a letra “A”. Resultado: ingressou, fez o
discurso como e ganhou a aposta.
Vamos a ele:
“ Meus ilustres e digníssimos
consórcios; meus senhores”.
Por mim humilde membro que vou
ser deste Instituto, eu vos direi sem orgulho em que me omite: errou no que
pretende, perdeu no que colime este que de mim muito esperou em prol deste
luzido grêmio, que sem o meu débil concurso, vive com brilho e vence com
fulgor. Sim. Porque neste momento vos dirijo um verbo simples e despretencioso,
cumprindo somente o desejo de exprimir o sentimento de júbilo do que me possuo,
por ser tido no vosso doce e ultíssimo convívio, no meu viver, quer como homem
público, quer como eficiente de um tempo ido sem dons do que me nobilitem, sem
luzes que me guiem no presente rumo do futuro em pouco em muito pouco mesmo;
posso proteger o curso luminoso deste conjunto de homens eminentes, deste
grêmio benemérito, por isso que, nem de leve, fulgem de mim resquícios de
primor. Fizestes escolhendo-me vosso consórcio, o que só costumo ver nos
espíritos superiores, e que, por isso mesmo, surtem seus vôos sobre míseros
preconceitos. Eis o motivo porque me deixei prender nos elos do vosso gentil
convívio, e devo dizer-vos sincero, quem fui, quem sou e quem serei, vencendo o
pórtico luminoso deste templo de fulgores. Quem fui? O débil rebento de um tronco
bom e, sobretudo, honesto em cujo viver de espíritos eleitos só virtudes vi
florirem e vícios, nem de longe pretenderem prender. Eduquei-me sob o influxo
do bem e tive por complemento dos meus modestos e humildes genitores um
excelente mestre, conhecido de todos vós, que tem sido entre nós erguido em mil
louvores que nem lhe podem dizer o seu merecimento entre os velhos, entre os
moços e os que me seguem no presente brilho de seu espírito celeste, fulgindo
como um sol que incide nos pequeninos cérebros sequiosos de luz. Do colégio,
que conservo vivo o exemplo do bom e do honesto, fui vencer o tirocínio
superior, onde, por muito feliz, entre docentes e condiscíplos, conservei desde
o início ouvindo Felinto, Leovigildo e o Guerreiro, um nome sem deslize que
desgostos me trouxessem no meio de muitos estudiosos como eu.
Tenho por mim neste recinto, quem
vos pode dizer se me exprimo correto neste ponto. Depois colhido o louro de um
torneio vencido, penetrei num mundo de ilusões, supondo ingênuo que fui, fluísse
no meu viver um eterno sorrir.Dentro em pouco, porém vi que o sorriso nos moços
nem sempre é o prenúncio de um futuro venturoso e, sim, como um prólogo ou
início de um sofrer contínuo, de um existir repleto de decepções e mil
desgostos sem fim. Sem que desperte dores no recesso do meu peito ferido, eu
vos direi: fúnebres de sinos, ouvido por mim, filho extremoso, pelo espírito
desse que me deu o ser e que se foi rumo do céu, morrendo como, entre outros
golpes bem fundos, foi o primeiro que recebi, dos negrores deste mundo em que
vivemos. Sofri e sofri muito com o ter perdido, o meu excelente nobre genitor.
Superior, porém, fui vencendo os óbices do sentimento, tendo como tive e
felizmente tenho consorte e filhos, meus enlevos, que me impelem, cheio de fé e
de vigor, no trio em que me vou conduzindo neste orbe, rico de dores, e pobre,
muito pobre de momentos bons e felizes como este. Isso é o que fui.
Quem sou? Um pequenino servo de
Têmis que fiz do direito em si, o ponto em que reside o imenso bem dos homens,
e que DEUS quis fosse tido por nós como virtude de virtudes, e que dele mesmo
nos veio por intermédio do conhecimento que todos nós devemos ter dos direitos
e deveres próprios, bem como de outrem. Eu vos disse de princípio que tínheis
feito de mim um juiz imerecido, escolhendo-me vosso consórcio. Disse e repito.
Com o serdes gentis, reerguestes-me, um homem simples que sempre fui, nos estos
de um outro indivíduo, desejoso de ter estudo que o eleve, que o dignifique por
meio dos conhecimentos científicos, vendo, ouvindo, lendo, como se de cérebro
sem luz seguisse sem temores no intuito de vencer. Eis o que sou. Quem serei?
Se fui um zero como vos disse, hoje sou um número entre vós, que no futuro hei
de escrever com imenso orgulho, todo meu, por me sentir no vosso doce e
superior convívio. Fui do meu ser um júbilo incontido, por me ver neste
recinto, todo luz, todo belo, todo proveito, como se neste templo se celebre
sob os meus olhos, o novo surgir de um sol no meu espírito, sequioso de lume
que me excite, o empenho de viver no centro puro em que me detendes, com os
fortes grilhões dos vossos profundos conhecimentos: Tudo eu terei, recebendo o vosso ensinamento.
Tenho
dito.
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