Nas voltas que a vida dá, acabamos voltando sempre ao mesmo
lugar.
Para quem está espantado com as denúncias de "assédio
eleitoral" que preocupam o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, é
preciso lembrar que a compra e venda de votos não começou com Bolsonaro, apenas
se modernizou.
Meio século atrás, fiz reportagens sobre os currais eleitorais
do Nordeste quando morria muita gente nos tempos dos "coronéis" e do
"sindicato do crime", donos da vida e da morte dos eleitores.
Vendia-se o voto em troca de um par de botinas ou de uma dentadura, remédios ou
óculos.
Depois da redemocratização do país, em 1985, em lugar de agrados
ao eleitor, começaram as ameaças, que se acentuaram na eleição deste ano.
Na primeira eleição presidencial pelo voto direto em 1989, eu
estava no Pantanal, com a equipe de televisão do programa eleitoral de Lula,
esperando autorização para entrar na fazenda de uma grande empreiteira.
Conversando com a peãozada, enquanto esperava a liberação,
descobri como funciona essa história de "voto secreto" nos grotões do
país, longe dos olhos da mídia e da Justiça Eleitoral". "Aqui a gente
não precisa se preocupar. Os home vota pra nóis!"
De fato, no dia da eleição, o gerente da fazenda recolhia os
títulos de eleitor dos empregados para votar por eles, enquanto comiam um belo
churrasco oferecido pelo patrão. Nem eles ficavam sabendo em quem tinham votado.
Era esse o verdadeiro "voto secreto".
Na reta final da campanha daquele ano, descobri em Porangaba, no
interior paulista, onde tenho um pequeno sítio, que o pessoal da vizinhança
estava apavorado com a visita de "fiscais do Incra", que pediam
licença para medir as terras.
Diziam que trabalhavam para a campanha de Lula para "preparar
o plano de reforma agrária", uma das bandeiras do candidato petista, mas
na verdade estavam a serviço de Fernando Collor, que assim disseminava o clima
de medo e insegurança no campo _ e isso certamente acontecia também em outras
regiões do estado e do país.
Tive notícias também de que na periferia das grandes cidades,
esses "fiscais" perguntavam quantos quartos tinha na casa e quantos
moradores, para ver quantos sem teto poderiam ser abrigados ali. Nunca se
saberá quantos votos Collor ganhou e Lula perdeu com esta operação
"apavora eleitor".
Agora, em 2022, os métodos mudaram, mas o objetivo continua
sendo o mesmo. Nas regiões do agronegócio mais atrasado, que está armado até os
dentes, donos de terra, gado e gente, e seus gerentes, estão ameaçando seus
empregados de demissão se não votarem em Bolsonaro.
"Se o Lula ganhar, eu fecho esta merda e vocês vão pedir
emprego pro PT", costuma ser a palavra de ordem nestes dias que antecedem
o segundo turno. Em alguns lugares, é oferecido um prêmio de R$ 200 se o
candidato do patrão for o vencedor.
O Ministério Público do Trabalho já registrou mais de 200 casos
em todo o país, que foram informados ao TSE, mas o total deve ser muito maior,
já que é grande o medo dos trabalhadores de denunciar as ameaças e ficar
desempregado.
Moraes quer se reunir com os procuradores para estudar
providências conjuntas contra o que chamam agora de "assédio
eleitoral", a nova versão do "voto de cabresto" dos velhos
"currais eleitorais", hoje chamados de "redutos",
alimentados com as verbas das emendas de relator do orçamento secreto.
É assim que se eterniza o poder das famílias que formam o
Centrão e se aliam a qualquer governo, passando os mandatos que eram dos avós
de pai para filho. Quem não estiver de acordo, é logo rotulado de
"comunista" pelos novos coronéis que acompanham os votos das zonas
eleitorais pelo laptop e controlam seu gado com drones. Mais.
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