quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

A CARTA DO MESTRE OSVALDO REQUIÃO NO NATAL

No Natal de 1957, Osvaldo Requião, cronista do jornal “A Gazeta”,  assinou na edição do dia 24, em forma de carta a crônica “Queixa a Jesus”. Ele avançou um século no tempo, mas tudo que imaginou em 2057, aconteceria muito antes. Vamos recordar: aquela pequena carta.

 

Feira de Santana, 25 de dezembro de 2057.

Meu doce Rabi da Galileia.

Era meu intuito, como ocorreu nas minhas duas precedentes existências, comemorar este ano o dia de Tua primeira descida a este vale de lágrimas.

Sei, aliás, que não dás grande importância a essas tolices da humanidade, mas não Te negas de recolher no seio amorável a piedosa intenção dos que ainda Te lembram e crêem em Ti.

Na minha anterior encarnação, ainda pude reunir a família na sagrada e, agora, quase esquecida noite e, mal ou bem, tivemos a nossa modesta consoada (refeição à noite, em dia de jejum), onde um  bonito bolo confeitado e um apetitoso peru de recheio, por entre alguns copázios de vinho do Rio Grande, fizeram as alegrias da petizada e dos amigos.

Mas este ano, a coisa está dura. Sabes lá, o que é comemorar-se o Natal com o preço atual das utilidades? Vê só esta pequenina amostra:

Um peru magro 5 mil cruzeiros, um queijo de Pacatu 3 mil e 500 cruzeiros, um bolo chileno 1 mil e 500 cruzeiros, um quilo de nozes 800 cruzeiros, um dito (contado) de uva 800 cruzeiros e um dito de ameixas 900 cruzeiros.

Imagina Mestre Amado, que pode fazer, com tão bicudos tempos, um pobre barnabé proletário, que percebe o ordenado de fome de 50 mil cruzeiros, sem perspectiva de qualquer aumento nestes futuros dez anos?

Se não fosse irreverência, eu sugeriria que antecipasse logo o Juízo Final, pois, (perdoa-me a perversidade) estou doido para ver os tubarões colocados a Tua esquerda. Só assim terminaria o martírio de milhares de infelizes como eu, que vive, na dependência da boa vontade ou da desenfreada ambição desses supremos donos da terra e, por certo, Te verias, como mereces, promovido a Governador de outro planeta menos ingrato. Isto aqui parece que não tem mais jeito, visto que nem os russos se agüentaram.

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