No fundo, o que ele gostaria é fazer com que as pessoas olhassem Serra e vissem um Lula. Com as mesmas origens humildes, a mesma luta contra os poderosos, o mesmo carinho com os mais pobres
Quinta feira, em rede nacional, a candidatura Serra fez uma avant-première do que será sua linha básica de comunicação na televisão e no rádio. Na verdade, do que será sua campanha propriamente dita, pois todas as demais mídias, face ao poder dos meios de comunicação de massa, são quase nada.
A oportunidade foi o programa partidário do PSDB, que, como todos que o antecederam e todos que o sucederão, de partidário só teve o nome. Quem está de acordo com a tese de que esses programas se destinam à asséptica divulgação da "doutrina" dos partidos, como consta de nossa anacrônica legislação sobre o tema, herdada da ditadura militar, terá ficado incomodado. Quem acredita que cabe aos próprios partidos estabelecer o que dizer à população, respeitados os princípios constitucionais, viu com naturalidade que fosse usado com finalidade eleitoral.
Como havia feito o PT semanas atrás com Dilma, o PSDB dedicou seu programa a promover a candidatura Serra. Seria sem sentido discutir se um foi mais eleitoral que o outro. Foram iguais, cada um à sua maneira, em função das diferenças entre os dois candidatos.
No programa tucano, pudemos ver a radicalização da proposta com que o partido pretende disputar a sucessão de Lula. Da primeira à última imagem, só Serra apareceu. A ideia da eleição como uma disputa de biografias esteve presente o tempo todo.
Quém mais falou, nem as lideranças formais do partido, nem seus principais quadros. É como se nada mais interessasse, se só houvesse uma dimensão à qual o eleitor devesse prestar atenção: a pessoa do candidato.
É verdade que, vez por outra, em fotos antigas, algumas personalidades do PSDB passaram rapidamente pela tela – Mario Covas, José Richa, Fernando Henrique – mas nenhum nome foi mencionado. Quem não prestasse atenção talvez sequer os percebesse, pois a locução só destacava a trajetória de Serra.
Nas crônicas do marketing político brasileiro, há o registro de como, no passado, Serra havia sido contrário à utilização de sua biografia pessoal na argumentação de campanha. Os profissionais que trabalharam em suas candidaturas anteriores lembram que chegou a proibir que fosse dito quem eram seus pais, o que faziam, em que bairro havia nascido. Para ele, o correto era deixar questões como essas de fora das disputas políticas.
Agora, ao que tudo indica, esses cuidados foram aposentados. Se é para falar de biografias, se é para chamar a atenção para as pessoas que se enfrentam, se não se podem citar outros nomes, que venham as imagens familiares, os closes de rostos emocionados, as fotos amareladas da vida privada.
No tratamento do lado público da biografia do candidato, o programa foi cauteloso ao evitar qualquer confrontação política e programática com Lula e seu governo. A longa apresentação das muitas coisas que Serra fez como parlamentar, ministro (especialmente da Saúde), prefeito e governador em momento algum deixou claro se há diferenças entre o que ele e o PT pensam.
O programa se limitou a valorizar uma espécie de fazer abstrato ("Dá para fazer mais!"), no qual desaparece a noção de que uns pensam (e fazem) de um jeito e outros pensam (e fazem) de outro. É como se as diferenças políticas entre PSDB e PT fossem secundárias e as administrativas mais importantes, caso em que a disputa Serra vs. Dilma se tornaria uma comparação quantitativa: quem tem mais atributos para fazer, fundamentalmente, as mesmas coisas.
Mas, talvez, o sonho secreto do programa do PSDB na televisão fosse mais ambicioso. No fundo, o que ele gostaria é fazer com que as pessoas olhassem Serra e vissem um Lula. Com as mesmas origens humildes, a mesma luta contra os poderosos, o mesmo carinho com os mais pobres, a mesma emotividade à flor da pele. Apenas com mais formação acadêmica e mais currículo.
Se o PT vem com a candidata de Lula, por que o PSDB não poderia vir com o próprio, na encarnação Zé Serra?
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