quinta-feira, 7 de setembro de 2023

FEIRA ONTEM

                                                             

 
 A FEIRA-LIVRE SAINDO DAS RUAS DA CIDADE

Por Adilson Simas

 

 

   Depois  de quase quatro anos de intensa articulação que começou com a desapropriação da área e a aprovação de um empréstimo junto ao Banco do Nordeste do Brasil, em novembro de 1976 o prefeito José Falcão  inaugurou no antigo Parque Manuel Matias de Azevedo a primeira etapa do Centro de Abastecimento, o chamado “Projeto Cabana” concebido pelo engenheiro Lindalvo Farias,  obra tida como  “a menina” dos seus  olhos.

A cidade vivia a agitação de mais uma disputa eleitoral (Colbert Martins, do MDB versus Ângelo Mário, da Arena) e logo  a inauguração, naquele  domingo, 7 de novembro, oito dias antes dos eleitores irem as urnas, foi transformada em ato político em favor do candidato emedebista, mesmo partido do chefe do executivo.

            Milhares de jarras foram distribuídos ainda na véspara e durante todo o dia o povo bebeu chopp ao som de muita musica, bem ao estilo “Zé Festinha”, como era carinhosamente chamado o alcaide municipal. Também na véspara os arenistas se reuniram numa chácara nas vizinhanças da cidade, montando a estratégia para “melar” a festa dos adversários.

            Não deu outra. No momento maior da solenidade, quando os oradores se revezavam nos discursos exaltando a obra,  a tática foi colocada em ação. Um avião, sobrevoando a cidade, derramava  por toda a área do Centro de Abastecimento milhões de panfletos que diziam:

            - A obra  do Centro de Abastecimento será paga por Ângelo  Mário que no dia 15 será eleito novo prefeito de Feira de Santana 

A COLETIVA DE FALCÃO

             Inaugurada a etapa principal da obra e passados os festejos de Natal e Ano Novo, nos primeiros dias de janeiro de 1977, na  manhã de terça-feira, dia 4,  o prefeito José Falcão reuniu a imprensa e anunciou que no dia 10, segunda-feira, aconteceria a ultima feira-livre nas ruas do centro da cidade e que no dia seguinte “todos os barraqueiros serão deslocados para o novo local”. Falcão começou a coletiva pedindo confiança e pregando otimismo:

            - “ A palavra que dirijo aos feirantes é de confiança, que eles confiem em nós, como confiamos neles, pois o valor do Centro de Abastecimento, antes de ser  utilizado, já está evidenciado. Há feirantes, usuários de boxes ou de  açougues no mercado que já negociaram o seu lugar...”.

 A ULTIMA FEIRA-LIVRE

             Como prometido pelo alcaide, a ultima feira-livre  pelas ruas da cidade acontece na segunda-feira,  10 de janeiro. Naquele mesmo dia a chuva fina que começou pela manhã  e entrou pela noite atrasou os trabalhos que estavam sendo executados nas ruas de acesso ao Centro de Abastecimento. Surgiram especulações de que os barraqueiros não seriam relocados, e  preocupados os presidentes da Associação Comercial, Clube de Diretores Lojistas, Centro das Industrias  e Rotary Clube  foram à tarde ao gabinete levar a solidariedade ao prefeito, que reconheceu os danos causados pela chuva, mas mesmo assim se manteve firme na decisão:

            - “ Não haverá nenhuma alteração no calendário já estabelecido, mesmo com a chuva prejudicando as obras de pavimentação das vias de acesso... ”

“REQUIEM PARA UMA FEIRA”

 

            A retirada lenta e desorganizada das barracas  durante toda terça-feira, 11,  ainda reflexo das chuvas que caíram na cidade, levou  a edição do dia seguinte do jornal  “Feira

 Hoje”  a estampar na primeira página a seguinte manchete: “A Feira ainda não mudou-se: só confusão”. Nas páginas internas, além de farto material sobre a ultima feira-livre, destaque para o nostálgico artigo “Réquiem para uma feira”, assinado pelo jornalista e poeta Franklin Machado que ao comentar a resistência de alguns feirantes e usuários, exercitou seu estilo inconfundível no penúltimo parágrafo:

            - “ A feira teima em ficar  pelas adjacências como mulher apaixonada que não quer deixar seu homem...”

 O MERCADO FECHADO

           Na quinta-feira, 13, o prefeito voltou a se  encontrar com os repórteres que cobriamas atividades do executivo  para afirmar que “os barraqueiros lotados no Mercado Municipal têm até sexta-feira para desocuparem o imóvel”, acrescentando que “pontualmente às 18 horas (sexta-feira, 14) o mercado será fechado e as chaves entregues ao novo prefeito (Colbert Martins, o prefeito eleito, assumiria no dia 1º de fevereiro). No mesmo encontro  José Falcão deixou claro que no sábado, dia também de feira-livre, ela não mais aconteceria nos ruas do centro da cidade”.

            Realmente, no sábado, 15, as portas do velho mercado, construído  na intendência do cel. Bernardino Bahia, amanheceram  lacradas...

 A FEIRA NO  “CABANA”

 

            No sábado, 15, a tradicional feira-livre daquele dia e que muitos diziam ser feita apenas por gente da cidade (o pessoal da roça preferia a de segunda-feira),foi realizada no Centro de Abastecimento, ou “Cabana”,  como foi batizada a obra no começo. Mesmo com muitas improvisações, a imprensa foi unânime  afirmando  “Todos contentes com a feira no Centro de Abastecimento”.  Ao jornal “Feira Hoje”, por exemplo, o ex-vereador Orlando Leite declarou  que “estive lá na feira-livre para comprar carne de carneiro e não achei, pois a venda é no açougue.No mais tudo bem, o centro substitui a altura a velha e tradicional feira”.  A esposa também ouvida pelo jornal, gostou mas reclamou:

            - “Gostei imensamente da obra, agora o problema da ladeira para se subir com os carregamentos é que aborrece...”

 CONTRA A MUDANÇA

 

            Na véspara da primeira segunda-feira com feira-livre no Centro de Abastecimento, na capa do  “Caderno de Domingo” do jornal “Feira Hoje”, o jornalista Helder Alencar que formava no grupo contra a retirada da feira  das ruas da cidade, assinou o artigo “A Feira sem a feira” reafirmando sua posição mas reconhecendo ser o fato irreversível. No longo texto que ocupou toda  capa do caderno, depoimentos de outras personalidades  com

o mesmo ponto de vista do  jornalista. Arquiteto, poeta e pintor, Juracy Dorea Falcão, por exemplo, foi  taxativo:

            - Vão acabar a beleza e a poesia da feira, sufocadas pela padronização...

 A FEIRA DE SEGUNDA-FEIRA

 

            Na segunda-feira, 17, Feira de Santana amanheceu  com as suas ruas centrais vazias e a secular feira-livre daquele dia sendo realizada , em clima de festa, no Centro de Abastecimento, local antes conhecido como Parque Manuel Mathias de Azevedo. Mesmo os comerciantes do centro da cidade foram unânimes nos elogios: José Mendonça, do supermercado, afirmou que “a influencia positiva ou negativa nos nossos negócios é fator secundário” e o diretor comercial Gemini Rolim disse que “as vendas melhoram depois da mudança”. Gerente da firma  “Marrocos”,  José Carlos Morais Lima detalhou: “Houve uma reação positiva pois a cidade ficou desafogada e o pessoal que vem fazer compras nas lojas nada tem a ver com quem vem comprar alimentos”. No dia seguinte o gerente foi novamente ouvido:

            - Tanto sábado, como na segunda-feira os negócios foram positivos...

 O SORRISO DO ALCAIDE

            Na terça-feira, 18, de sorriso largo, em nova coletiva o prefeito José Falcão disse que não esteve no Centro de Abastecimento na segunda-feira, mas que se manteve informado do clima de  normalidade, inclusive mantendo contato telefônico com o Batalhão pedindo maior policiamento. Em “off”, entretanto, os repórteres foram informados que cedinho o “matreiro” Falcão  “esteve por lá distribuindo abraços”. Tão feliz que brincou com uma mulher, identificada  como moradora de “Mugunzá”, Jaguara, quando esta reclamou da falta de lugar para comercializar seus ovos de quintal. Antes de localizar a feirante na área apropriada, Falcão, lambendo os lábios, teria brincado:

            - Se “iaiá” não sabe onde colocar os ovos, que os ponha na cabeça...             

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