quarta-feira, 23 de junho de 2021

O SÃO JOÃO DE TEMPOS IDOS

Texto lido na Rádio Povo, programa Primeira Página, de 23 de junho de 2007

Neste dia da fogueira de São João, vou usar o tempo para fazer aquilo que muitos da minha geração certamente gostariam. Viajar no tempo e lembrar o São João da minha infância.

Da minha infância aqui mesmo pelas bandas do  Nagé, de Dona Cecília fazendo pamonha, do Minadouro de Pedro Mendes oferecendo o melhor licor, de Baraúna de Lindu costurando a roupa da festa, de  Galiléia de Pombinha dizendo a gurizada que “São João já chegou aqui”e do Sobradinho de Pedro Alexandre, vendendo os famosos fogos da marca “Adrianino”.

No São João daquele tempo a gente via as residências feericamente iluminadas, adornadas de graciosas lanternas e longas fitas coloridas pelos corredores da casa.

Do São João daquele tempo guardo na memória a mesa bem forrada tendo sobre ela pratos maravilhosos, de travessa, contendo morena e saborosa canjica – a rainha da festa de São João, que tinha como seus seguidores os doces secos e de calda, frutas variadas em profusão, comandadas pelas gostosas laranjas de umbigo.

No São João de outrora, também presente na mesa a leitoazinha tostada, vaidosa ainda, pois ostentava uma flor na cintura, parecendo namorar o porquinho sizudo, mas cheiroso como um cravo, que também enriquecia a mesa farta.

No São João da minha infância, o rei da mesa, no entanto, era o peru com seu papo recheado, orgulhoso, desafiando os seus adversários gastrônomos, principalmente as galinhas assadinhas, enfeitadas de tirinhas de papel, lembrando as garotas que passavam em bandos usando chapeuzinhos coloridos.

No São João de um passado distante tinha muita mais na mesa de todas as casas.

Tinha queijos verdadeiros, o sublime doce de leite, o doce de caju. Tinha vinho, tinha cerveja, mas tinha principalmente o licor de jenipapo sempre saboroso e forte, que na mesa parecia bater papo com o licor de maracujá, certamente disputando quem seria o mais consumido pelos convivas.

No São João da minha infância, na frente de cada casa não existia  apenas a fogueira assando milho, batata doce e outros produtos típicos.

No São João da minha infância, na frente de cada casa   além da cana com folhas, também recordo a arvore plantada, em cujos ramos colocava-se fitas coloridas de papel de seda, milhos, bebidas, laranjas, cocos e como aquele era um tempo bom, colocava-se também até dinheiro e tudo mais conforme o gosto do dona da casa.

Do São João do passado, recorda a palavra de ordem “Um por todos para a canjica, todos por um para o jenipapo”, quando a gurizada iniciava a romaria de casa em casa.

No São João dos velhos tempos a gente bebia, dançava e pulava fogueira, num  ritual que motivava o  surgimento de  compadres e comadres que muitos vezes até  terminavam em casamentos com as graças de Santo Antônio e a proteção de São João.

Exalto o São João de tempos idos sem a pretensão de achar que a festa junina acabou e muito menos o São João. A festa ainda existe, mas não tem a beleza do passado.

Aqui na Feira, quando o São João já não motivava o intenso vai e vem das pessoas de casa em casa, de rua em rua, o prefeito José Falcão, ainda no seu primeiro mandato, no começo dos anos 70, fez do distrito de Maria Quitéria a sede da grande festa junina.

Recordo na entrada do distrito, pela Feira/Serrinha uma enorme placa de zinco  com os seguintes dizeres: “Entre.  Veja como é bonito o São João de São José”.

Com o passar dos anos, mesmo nas gestões seguintes do próprio prefeito José Falcão, o São João de São José foi perdendo as fogueiras, as quadrilhas, as mesas fartas.

Na imensa praça,  além das barracas com muita cerveja e quase nenhum tipo de licor, apenas um enorme palco armado para a exibição de artistas famosos fazendo que estão interpretando as mesmas musicas exibidas ao longo do ano nos programas de rádio e televisão.

Aliás, mesmo nos poucos recintos fechadas onde a festa tenta resistir, no lugar das canções contando “estórias” de Santo Antonio, São João e São Pedro, interpretadas por Marines, Trio Nordestino ou mesmo pelos mestres mais recentes do período junino, ouve-se musicas de duplo sentido como aquela  que diz “Eu conheço a cara da mulher de pode”, ou então “Eu nunca fui de mal com você...”. (Adilson Simas)

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