Tempos idos
Vale a pena ler de novo
No Natal de 1957, o promotor
Osvaldo Requião, cronista do jornal “A Gazeta”,
assinou na edição do dia 24, em forma de carta, a crônica “Queixa a
Jesus”. Ele avançou um século no tempo, mas tudo que imaginou em 2057
aconteceria muito antes. Recordemos aquela pequena carta.
Feira de Santana, 25 de
dezembro de 2057.
Meu doce Rabi da Galileia.
Era meu intuito, como ocorreu
nas minhas duas precedentes existências, comemorar este ano o dia de Tua
primeira descida a este vale de lágrimas.
Sei, aliás, que não dás grande
importância a essas tolices da humanidade, mas não Te negas de recolher no seio
amorável a piedosa intenção dos que ainda Te lembram e creem em Ti.
Na minha anterior encarnação,
ainda pude reunir a família na sagrada e, agora, quase esquecida noite e, mal
ou bem, tivemos a nossa modesta consoada (refeição à noite, em dia de jejum),
onde um bonito bolo confeitado e um
apetitoso peru de recheio, por entre alguns copázios de vinho do Rio Grande,
fizeram as alegrias da petizada e dos amigos.
Mas este ano, a coisa está
dura. Sabes lá, o que é comemorar-se o Natal com o preço atual das utilidades?
Vê só esta pequenina amostra:
Um peru magro 5 mil cruzeiros,
um queijo de Pacatu 3 mil e 500 cruzeiros, um bolo chileno 1 mil e 500
cruzeiros, um quilo de nozes 800 cruzeiros, um dito (contado) de uva 800
cruzeiros e um dito de ameixas 900 cruzeiros.
Imagina Mestre Amado, que pode
fazer, com tão bicudos tempos, um pobre barnabé proletário, que percebe o
ordenado de fome de 50 mil cruzeiros, sem perspectiva de qualquer aumento
nestes futuros dez anos?
Se não fosse irreverência, eu
sugeriria que antecipasse logo o Juízo Final, pois, (perdoa-me a perversidade)
estou doido para ver os tubarões colocados a Tua esquerda. Só assim terminaria
o martírio de milhares de infelizes como eu, que vive, na dependência da boa
vontade ou da desenfreada ambição desses supremos donos da terra e, por certo,
Te verias, como mereces, promovido a Governador de outro planeta menos ingrato.
Isto aqui parece que não tem mais jeito, visto que nem os russos se
aguentaram
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