Por Fernando Brito
Eu era guri, numa vila no Lins de Vasconcellos, no subúrbio,
e como toda a garotada daquela época jogava bola na rua de paralelepípedos, sem
que as pedras ou o meio-fio fossem empecilho para os nossos “rachas” de cinco
ou seis para cada lado.
Éramos adolescentes todos, embora os tamanhos variassem, com
uma única exceção: o Tio Ivo.
Tio Ivo era “coroa” e, além de “coroa”, cardíaco (que
desgraça, agora sou as duas coisas) mas teimava em jogar bola com a gente, para
desespero do Sérgio, seu filho, preocupado com a saúde do pai. Como Sérgio não
era um guri como nós e não andávamos com ele, por ele ser “adulto” (até casado
era!) não dávamos bola para ele, mas para o Tio Ivo, que além de jogar bola,
sabia ensinar o corte do papel fino certo para balão pião, travesseiro, caixa e
outras incorreções que fazíamos à época dos politicamente incorretos.
Mas volto ao futebol. O Tio Ivo jogava, mas de “beque
parado”. Paradão mesmo, lá em frente ao gol marcado com chinelos.
Sua principal função não era jogar, mas dizer como
deveríamos jogar.
Volta e meia, quando o adversário estava com a bola, a gente
escutava o vozeirão lá de trás: “volta, deixa esse sozinho que a natureza marca
ele”.
Não dava outra: o cidadão a quem faltava talento se
atrapalhava e não ia muito em frente.
Quando (não) vejo o Lula nestes dias tragicômicos finais do
golpe que já se deu, não cesso de lembrar do Tio Ivo.
Não que seja falsa sua rouquidão no 1º de maio, mas ela de
fato não dura dez dias.
A cena da resistência pessoal é de Dilma.
A da resistência política é dele.
Como o Tio Ivo, ele não tem que ir na bola, tem que esperar
a bola vir nele.
E sabe que o maior inimigo do golpe é o que o golpe coloca
diante de Temer.
Sabe que é ele, e não Dilma, que pode servir de referência
ao povo brasileiro – e até mesmo a forças políticas convencionais.
Ela está desempenhando seu papel com coragem e dignidade,
mas o papel é dela, não dele.
Não quando ele demorou tanto a se tornar-se ministro não por
capricho, mas por necessidade política de
comandar,até mesmo para descartar a possibilidade de conflitos com a
Presidente.
Lula está preparado para um quadra de sofrimento pessoal.
Não tem ilusões de que não possa ser vítima de uma violência pessoal, nestes primeiros
dias, mas sabe que isso não é tão simples, pela reação que acarretará, aqui e
pelas relações internacionais que cultivou.
Mas também entende que tem de se preservar como é dever de
um general não descer ao campo raso da batalha, salvo quando esta batalha é a
última.
Não que a espada não lhe dê comichões à mão.
É porque a vitória lhe dá mais comichões ainda.
Como o Tio Ivo, sabe que sua função não é nas bolas
perdidas.
É a de fazer ganhar o jogo.
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