Quando nossa desilusão voltava diante de tantas perdas, censura, vinha o poeta e nos enchia de esperança, anunciando que amanhã seria outro dia
Desculpe, Chico
Chico Brasileiro Buarque de Holanda! Desde que me entendo
por gente, que sou embalado pelas poesias e músicas maravilhosas desse
brasileiro que tanto nos orgulha e acalenta. Quando todos nós nos sentíamos
abandonados e perdidos com tantas desilusões, ele apareceu com sua “Banda”
cantando coisas de amor para a gente sofrida, para o homem sério, para a
namorada, para a moça triste, para o velho fraco... E a meninada toda se
assanhava e acabava o desencanto com todo mundo, cantando coisas de amor.
Quando nossa desilusão voltava diante de tantas perdas,
famílias separadas, liberdades suprimidas, censura impedindo qualquer tipo de
manifestação, vinha o poeta e nos enchia de esperança anunciando que amanhã
seria outro dia com o galo cantando e a gente se amando. E até aquele que
inventou o pecado teria o perdão. Ainda restam, porém, os intolerantes, que se
esqueceram de inventar o perdão.
Mas Chico, que inventou o amor letrado e ama esta cidade e
seu povo, gosta de passear por aí e não percebeu que a cidade era um vão que,
dependendo das pessoas que nela vivem, podem embaraçar nossa visão. E pessoas
intolerantes não respeitam as diferenças e nos fazem, tantas vezes, catar as
poesias entornadas no chão.
Um dia, Chico e seus amigos se encontraram nas ruas do
Leblon, onde tantas vezes divaguei ao som de suas músicas, com jovens que não
foram amamentados com o leite da tolerância e do respeito às diferenças, jovens
que ficaram velhos antes do tempo e, mesmo tendo vida de príncipes, vivem
maldizendo aqueles que, com os olhos embotados de cimento e lágrimas, comem
arroz e feijão como se fossem príncipes, e constroem a cidade onde vivem junto
com pessoas que não respeitam a diversidade.
Mas Chico, com seu jeito manso que é só seu, não deu a
resposta desejada por seus provocadores, e apenas invocou que deixassem em paz
seu coração, que é um pote até aqui de mágoa, e qualquer desatenção, pode ser a
gota d'água. E partiu, estancando seu sangue quando fervia, oferecendo seu
corpo, sua alegria e sua eterna poesia.
Então, Chico, passe ao largo desses moleques do internato,
que, errantes, jogam pedras sem saber o patrimônio que estão atingindo, talvez
por serem cegos e tenham escolhido a pessoa errada para soltar seus complexos,
cuspindo num guerreiro tão vistoso, tão temido e poderoso. Pense que você ainda
é muito amado e vive na cidade dos seus amores e, quem dera os moradores e o
prefeito e os varredores, e os pintores e os vendedores, os guardas e os
inspetores, fossem somente crianças para ter a pura compreensão da força de sua
poesia, sua literatura, sua presença numa sociedade tão carente de amor e
respeito.
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