Por Saul Leblon
Em cinco de outubro de 1988, a
nação que vivia desacolhida dentro do próprio país conquistou um bote para
remar seu anseio por pátria e cidadania.
Com as virtudes e defeitos
sabidos, a Constituição Cidadã, promulgada então, esticou o pontão dos direitos
sociais --no que tange à lei, ao ponto mais avançado permitido pela correlação
de forças que sucedeu à ditadura.
Conduziu-a um impulso gigantesco
de ondas políticas sobrepostas.
A resistência heroica à ditadura,
em primeiro lugar.
Mas também os levantes operários
surpreendentes registrados no ABC paulista, nos anos 70/80.
Metalúrgicos liderados então por
uma nova geração de sindicalistas, afrontaram a repressão e o arrocho,
paralisaram fábricas, encheram estádios e igrejas, tomaram praças e ruas.
Irromperiam assim nacionalmente
como a fonte nova da esperança, dotada de força e merecedora do consentimento
amplo para falar pela sociedade em defesa do salário e da liberdade.
Como uma onda oceânica de
dimensões até então desconhecidas, o levante metalúrgico seria sucedido de um
explosivo anseio por liberdade, que levaria milhões às ruas na campanha
política mais avassaladora da história nacional: as ‘Diretas Já!’, pelo fim da
ditadura.
Trincou ali o mar glacial da
desigualdade brasileira.
O degelo esticaria a fronteira da
democracia na reordenação do país a cargo da Assembleia Constituinte de
fevereiro de 1987.
‘Não é a Constituição perfeita,
mas será útil, pioneira, desbravadora’, diria Ulysses Guimarães, vinte meses
depois, na promulgação da carta.
‘Será luz, ainda que de lamparina,
na noite dos desgraçados’, profetizou então o ‘senhor Diretas’.
A lamparina dos desgraçados
bruxuleia agora na ameaçadora noite de ventania que acossa o Brasil de 2015.
Quase três décadas depois de abertas
as fronteiras – no que tange à Constituição--
o Brasil que vivia na soleira da porta, do lado de fora do mercado e da
cidadania – encontra-se de novo ameaçado
de banimento.
São os ‘nossos árabes’, diria
Chico Buarque de Holanda, em síntese premonitória, em 2004.
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