terça-feira, 10 de janeiro de 2012

10 DE JANEIRO DE 1977 - ÚLTIMA FEIRA-LIVRE PELAS RUAS DA FEIRA

10 de janeiro lembra a realização da última feira-livre de todas as segundas-feiras pelas ruas do centro da cidade. Na segunda-feira seguinte, dia 17, a secular feira da Feira de Santana passou a acontecer no Centro de Abastecimento. Neste 10 de janeiro de 2012, uma nostálgica viagem no tempo lembrando esse momento histórico ocorrido em 1977, há 35 anos:
Depois de quase quatro anos de intensa luta que começou com a desapropriação da área seguida da aprovação de um empréstimo junto ao BNB e a celebração de contrato com a Construtora Norberto Odebrecht, em novembro de 1976 o prefeito José Falcão inaugurou no antigo Parque Manuel Mathias a primeira etapa do Centro de Abastecimento, o batizado “Projeto Cabana”, concebido pelo engº Lindalvo Farias, obra “menina dos olhos” do saudoso alcaide.
Vivia a cidade a agitação de mais uma disputa eleitoral (Colbert Martins, do MDB versus Ângelo Mário, da Arena) e logo a inauguração, no domingo, 7 de novembro, véspera do eleitor ir as urnas, foi transformada em ato político em favor do candidato emedebista.
Ainda no dia anterior milhares de jarras foram distribuídas e durante todo o dia o povo bebeu chopp ao som de muita musica, com a presença da Sarajane, samba de roda, duelo de trovadores, maculelê e outras manifestações culturais bem ao estilo “Zé Festinha”, como era carinhosamente chamado o prefeito.

Também na véspera os arenistas se reuniram numa chácara nas vizinhanças da cidade, montando a estratégia para contrapor a festa dos adversários.

Assim foi feito. No momento maior da solenidade, enquanto os oradores discursavam exaltando a obra, um avião sobrevoava a cidade, derramando por toda a área do Centro de Abastecimento milhões de panfletos que diziam:

- A obra do Centro de Abastecimento será paga por Ângelo Mário que no dia 15 será eleito novo prefeito de Feira de Santana.
Feita a inauguração e passados os festejos de Natal e Ano Novo, na manhã de terça-feira, 4 de janeiro de 1977, o prefeito reuniu a imprensa e anunciou que no dia 10, segunda-feira, aconteceria a ultima feira-livre nas ruas da cidade e que no dia seguinte todos os barraqueiros seriam deslocados para o novo local. Falcão começou pedindo confiança e pregando otimismo:
- “A palavra que dirijo aos feirantes é de confiança, que eles confiem em nós, como confiamos neles, pois o valor do CA, antes de ser utilizado, já está evidenciado. Há feirantes, usuários de boxes ou de açougues no mercado que já negociaram o seu lugar...”.
Conforme prometido, a última feira-livre pelas ruas da cidade acontece na segunda-feira, 10 de janeiro, hoje completando exatos 35 anos.
Na época, ela já não era mais apenas a feirinha em volta da capelinha de Santana como contam alguns historiadores, nem aquela dos tropeiros, dos boiadeiros, dos vaqueiros e dos mascates como nos tempos idos.
Já era a grande feira-livre da Feira de Santana, dentro e em volta do mercado construído em 1914 e também ocupando toda Praça João Pedreira, parte das ruas Sales Barbosa e Marechal Deodoro e quase toda extensão da Avenida Getulio Vargas, envolvendo feirantes, usuários e turistas.












Após a última feira realizada sob fina chuva que caiu na cidade durante todo o dia, além do noticiário normal da imprensa, também choveu artigos e declarações de personalidades, contra e a favor da mudança.
Para o poeta Franklin Machado, “A feira se despediu sem solenidade. Como um general que ganhou a guerra e se aposenta sem querer receber nenhum louro. Como um filósofo que sabe serem essas coisas efêmeras. O que vale é o registro histórico”.
Contra a mudança, o jornalista e advogado Helder Alencar pregava que ela precisava apenas de higienização e disciplina quanto aos dias e horários de funcionamento. E escreveu:
“Assim, se a feira-livre era uma doença, ficaria curada. A dose de medicamento que lhe deram, entretanto, foi forte demais e a feira da Feira de Santana morreu”.
De modo diferente, Franklin Machado, também jornalista e advogado se inspirou na chuva fina que caiu no dia da feira: “O tempo chorou, mas sabemos que amanhã é um novo dia. E o sol nascerá radioso, brilhante. Logo, a feira não se acabou, apenas mudou de local...”.


Também contra a mudança, o poeta Juracy Dórea sentenciou: “Acabou a beleza e a poesia da feira, sufocadas pela padronização”. O pesquisador e advogado Fernando Pinto de Queiroz, seguiu na mesma linha: “O que sobrará para a cidade? Nada. A feira é o que a Feira de Santana tem de diferente e notável...”.
De novo aparece o poeta Franklin Machado na outra ponta exaltando o presente o antevendo grande futuro: “A hora não é para saudosismo nesta Feira que se industrializa, que se asfalta em ruas e estradas, que se alteia, arranhando o céu”.
Adiante Franklin alerta: “Não vamos mais ficar a lamentar ou a rememorar fatos, uma vez que nós feirenses somos gente portuguesas acostumadas a sair pelo mundo para criar mundos”. E termina pregando renovação: “Viver é estar sempre mudando, se renovando. Quando se perde esta capacidade é a velhice e a morte”.
Um dia após a última feira, a Prefeitura iniciou a retirada das barracas do centro da cidade e a transferência dos comerciantes do velho mercado para o Centro de Abastecimento, ao mesmo tempo em que realizava os últimos trabalhos nas vias de acesso para o novo local.
No dia 14, sexta-feira, as portas do mercado foram lacradas e as chaves entregues pelo prefeito José Falcão ao prefeito eleito Colbert Martins, que tomaria posse no dia 1º de fevereiro.
Com o velho mercado fechado, a feira-livre que também acontecia aos sábado, já foi realizada no Centro de Abastecimento, ainda que de forma improvisada. Na verdade, mais do que uma feira-livre, a feira daquele sábado, dia 15, foi uma espécie de treino entre feirantes, usuários, turistas e curiosos com vistas à grande festa em que se transformaria a feira da segunda-feira, no seu novo local.



Naquele dia 17, com a secular feira-livre das segundas-feiras sendo realizada pela primeira vez no Centro de Abastecimento, um enorme vazio parecia tomar conta das ruas centrais da Feira de Santana, sem que houvesse, entretanto, prejuízos para os comerciantes dos mais diversos ramos de atividades.
Dono do maior e mais importante supermercado da cidade, José Mendonça declarou: “A influência positiva ou negativa nos nossos negócios é fator secundário. Importante é acompanhar os novos tempos”.
Mais detalhado foi o gerente da firma “Marrocos”, José Carlos Morais Lima: “Houve uma reação positiva, pois a cidade ficou desafogada e o pessoal que vem fazer compras nas lojas nada tem a ver com quem vem comprar alimentos. Os negócios foram positivos”.
No dia da primeira feira-livre no CA, sem esconder a alegria pela vitória alcançada, o prefeito José Falcão percorreu toda a área distribuindo abraços. Tão feliz que segundo um assessor ele teria brincado com uma feirante vendedora de ovos residente em “Cascalheira”, no distrito de Jaguara.
Quando a feirante começou reclamar que ainda não tinha localizado o espaço destinado para vender sua mercadoria, foi abraçada pelo matreiro Falcão que lambendo os lábios disse brincando:


- Se “iaiá” não sabe onde colocar os ovos, que os ponha na cabeça...



Por fim, mesmo com melhorias e ampliações no CA ao longo dos anos, muitos barraqueiros e feirantes, principalmente de frutas e verduras, continuam instalados nas ruas centrais desafiando as autoridades municipais. Sôbre essa realidade vale lembrar a profecia de Franklin Machado que no seu artigo há 35 anos após a ultima feira-livre previu esse comportamento com uma frase que agora repetimos encerrando essas lembranças:
- A feira teimará em ficar pelas adjacências como mulher apaixonada que não quer deixar seu homem

Um comentário:

  1. Txto muito bem escrito, reliquia para os moradores dessa grandiosa cidade. A feira vive dentro de cada habitante da antiga Sant'ana dos Olhos d'Agua!

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