sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

VIOLÊNCIA NOSSA DE CADA DIA


Ildes Ferreira de Oliveira*


A comunidade, em desespero, começa a se mobilizar com o propósito de encontrar formas de enfrentar os crescentes índices de violência. Três importantes eventos ocorreram nessas últimas duas semanas em nossa cidade: primeiro, uma reunião promovida pela Arquidiocese de Feira de Santana, com a presença de vários segmentos da sociedade, inclusive dois deputados federais; segundo, um seminário promovido pela recém criada Secretaria Municipal de Prevenção da Violência que trouxe a experiência do Espírito Santo para o debate; por último, uma reunião promovida pela reitoria da Universidade Estadual de Feira de Santana, que também contou com representantes da OAB e da Arquidiocese, além de pesquisadores de várias áreas (Educação, Saúde, Ciências Humanas, Direito etc.). Essa mobilização é um excelente sinal, a começar pela compreensão de que a complexidade do tema ultrapassa a ação policial e requer a participação ativa de todos os segmentos da sociedade: igrejas, academia, políticos, sociedade civil organizada, governo, empresários, imprensa. Todos, enfim. Mas será que todos estão falando o mesmo idioma? O que cada um entende por violência? A mídia, com destaque para alguns programas de televisão, mas não apenas eles, passa para a sociedade o conceito de violência como sinônimo de sangue: o foco são os homicídios, a criminalidade crescente. E as outras formas de violência, menos visíveis e simbólicas que violam direitos e enviesa a sociedade? É preciso ampliar o debate sobre o tema para permitir a busca de solução completa e não apenas de fração do problema. Pode-se conceituar, de forma simples, a violência como a agressão a qualquer direito individual ou coletivo. Tirar a vida de outra pessoa é, certamente, o mais elementar e crucial, porque ninguém tem esse direito. Mas não deve ser visto como único. A corrupção escancarada em alguns setores governamentais (Municípios, Estados, União), onde figurões de apropriam indevidamente do que é público, tirando das pessoas o direito a benefícios que poderiam ser efetivados; o médico, no espaço público (no privado é diferente), que nega ao paciente o direito de uma consulta decente; o poder judiciário que, somando os períodos oficiais de férias, os recessos e folgas, dá aos seus integrantes – incluindo-se os servidores – 90 dias de “férias por ano”, negando, aos cidadãos contribuintes que só têm direito a 20 dias úteis de férias por ano, o direito a um serviço de qualidade; as constantes agressões ao meio ambiente, por interesses econômicos, tirando das pessoas o direito de um ambiente saudável; o professor que , em sala de aula, alegando ser mal pago, nega cotidianamente aos estudantes o direito a um ensino de qualidade; pais e mães que não conseguem educar seus filhos respeitando os direitos deles; portadores de deficiências físicas que rotineiramente vêem negado o elementar direito de locomoção pelas ruas da cidade. E assim por diante. Discutir a violência inclui, necessariamente, a discussão sobre valores. É necessário reduzir os índices de homicídio, mas isso só não é suficiente para se conquistar a paz e de harmonia social porque há muitas outras formas de violência que igualmente precisam ser enfrentadas e equacionadas e não são sequer reconhecidas. Quando se reduz o debate e a mobilização apenas para a “violência do sangue” acaba-se por fortalecer ouras formas da violência nossa de cada dia que continuam escondidas.
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Sociólogo, professor titular da UEFS, membro da equipe do MOC.

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