Na ópera-bufa em que se transformou o processo de golpe
contra Dilma Rousseff, há uma fauna bastante diversificada: procuradores sem um
mínimo de isenção, juízes que se colocam acima da lei, mídia que mente,
distorce e divulga grampos ilegais, políticos sujos gritando contra a corrupção
e numerosa matilha fascistoide de adoradores do ódio e das ditaduras. Tudo isso
conduzido pelo maestro das partituras hondurenhas e das contas suíças.
Falta, contudo, o personagem principal: o crime.
Com efeito, a Constituição, em seus artigos 85 e 86,
determina que o Presidente da República só pode ser afastado após comprovação
de crime de responsabilidade. Portanto, a opera bufa do impeachment contra
Dilma só poderia ser encenada com o crime de responsabilidade como personagem
principal.
Mas, cadê o crime? Será ele invisível? Estará escondido nas
sombrias coxias da Presidência da Câmara?
Parece que muitos consideram esse mandamento constitucional
mero detalhe. Com efeito, o que se vê no
Congresso Nacional e nas ruas são argumentos meramente políticos.
“O Brasil não aguenta
mais a crise”. “Dilma tem de se afastar para que o Brasil volte a crescer”. “As
ruas exigem o impeachment”. “A presidenta não tem popularidade e
credibilidade”, etc. Todos esses “argumentos” seriam até aceitáveis no
parlamentarismo, regime no qual a autoridade do chefe de governo deriva do
Parlamento. Nesses regimes, é de fato legítimo e legal que o chefe de governo
seja afastado devido a crises políticas ou econômicas, mediante mero voto ou
moção de desconfiança. No regime presidencialista não. Nesse regime, a
autoridade do chefe de governo deriva diretamente da vontade popular expressa
nas urnas. Ele é titular de um dos poderes da República e, como tal, só pode
ser deposto por outro poder (o Congresso), após comprovação de crime.
Ora, crise não é crime, baixa popularidade não é crime.
Erros políticos ou administrativos não são crimes.
Dilma não tem conta na Suíça, não tem apartamento na chique
Avenue Foch, não tem aeroporto em propriedade particular, não tem dinheiro
sonegado, não tem patrimônio suspeito, não desviou nada, como muitos dos
golpistas. Não está na lista da Odebrecht, como boa parte dos golpistas. Mesmo
políticos da oposição, como FHC, consideram que Dilma é honesta. Honesta não
apenas pessoalmente, mas também na função pública. Foram ela e Lula que
permitiram, pelo fortalecimento e a independência das instituições de controle,
que a corrupção passasse a ser combatida a sério no país. A Lava Jato teria
sido impossível no governo FHC.
Restam, então, os truques, as pedaladas jurídicas para
tentar justificar o injustificável.
No caso do processo acolhido por Eduardo Cunha, em ato claro
de vingança política, a desculpa são as tais “pedaladas fiscais”.
Mas pedalada fiscal é crime de responsabilidade?
Não, não é.
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