Autor: Fernando Brito
Eu não comentei o artigo de Caetano, ontem, queixoso de como
O Globo tratava o Deputado Marcelo Freixo, do PSOL.
“Descobrir”, agora, que O Globo acusa sem provas, cria ondas
linchatórias, pressupõe a culpa quando ocupado lhe desagrada, francamente, é um
tanto tardio vindo de quem, como Caetano, foi brutalizado pela ditadura à qual
O Globo serviu.
Nem vou comentar o editorial “neutro” do jornal, hoje, onde
diz que fez a apuração dos fatos, agora, embora não a tenha querido fazer
enquanto os blocs serviam de desgaste ao Governo ao quem faz oposição.
Como os blocs, Caetano e Freixo serviram, não servem mais.
Como alguns leitores têm dito que ando meio irritadiço – às
vezes é verdade, porque não sou um observador “neutro” da política, tenho lado
e causa e não os escondo – vou me servir da poesia e deixar que o genial e amado poeta Caetano Veloso
faça, ele mesmo, a sua Queixa:
“Um amor assim delicado
Você pega e despreza
Não devia ter despertado
Ajoelha e não reza”
Pois é, Caetano, tem essa. O diabo não compra só um
pedacinho da alma, leva o lote.
De repente, você achou feio tudo o que não era espelho e
descobriu nos que sempre estiveram ao lado do passado e da opressão o canal da
liberdade?
A esquerda que você e o Freixo renegaram nunca achou que
vocês fossem os “culpados”.
Dessa coisa que mete medo
Pela sua grandeza
Não sou o único culpado
Disso eu tenho a certeza
Mas você não viu ou não quis ver o que havia nisso.
E isso é terrível num poeta.
Como cantou, tão lindo, o Chico, os poetas, como os cegos
podem ver na escuridão.
Estava escuro, é verdade, mas dava para ver onde o caminho
ia dar. O pobre Santiago Andrade foi a pedra no meio do caminho, que doeu em
todo mundo, mas fez parar a loucura que
é transformar a democracia que custou tanto a você e a mim – e que não se apaga
de nossas retinas tão fatigadas - num
cenário de pedradas, máscaras e agressões.
Os “novos democratas” da mídia e das elites que sustentaram
a brutalidade e hoje posam de “pós-modernos”, desprezando estes velhos
brontossauros do nacionalismo, usaram a sua imagem – aquela que você achou
linda, libertária, jovem – o quanto ela foi útil. Inútil agora, o Freixo vira
bandido, para levar nas costas o peso da condenação por tudo do quanto se
serviram.
Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Pois é, Caê, a vida é real e de viés e vê só que cilada o
amor te armou, fez virar ao contrário teu verso “onde queres bandido eu sou o
herói”.
Revolução não é um pano preto sobre o rosto. Não finda por
ferir com a mão essa delicadeza, a coisa mais querida, a glória da vida.
Lembra do Herivelto Martins, que você cantou, tão
lindamente? atiraste uma pedra/no peito de quem/só lhe fez tanto bem/e
quebraste um telhado/perdeste um abrigo/feriste um amigo)/conseguiste
magoar/quem das mágoas te livrou/e atiraste uma pedra/com as mãos que esta
boca/tantas vezes beijou
Não reclama, Caetano, mas age.
E não é aplaudindo, é cobrando, pedindo, exigindo, do jeito
que só os poetas sabem fazer, e que eles, homens duros da direita, detestam.
Porque o sonho tem hora que não pode ser apenas sonhado, mas
feito. Com pó, pedrisco, farpa, cansaço, erro, até dor. E a gente precisa de
poesia para não se afundar sem olhar o céu enquanto lavra o chão.
Volte pra cá, Caetano, porque a gente já não pode nem quer
ir embora , não quer dar mais o fora.
Dona Canô, que te mandou pro mundo, era sabida.
“Apenas fiquei conhecida por causa de meus dois filhos que
nunca se esqueceram de onde vieram nem da mãe que têm.”
Termina a música do Herivelto, Caetano, por favor.
Não turve a água desta corrente por onde o povo brasileiro
avança, essa água que um dia, por estranha ironia, tua sede matou.
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